Terceiro mandato do petista começou com muitas discussões a respeito das leis trabalhistas e com o estabelecimento de diálogo com as bases sindicais
Por
|
Propor uma nova legislação trabalhista foi uma das diretrizes do plano de governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), lançado durante sua campanha presidencial no ano passado. Neste início de mandato, o governo federal tem buscado diálogo com as bases sindicais, mas não há qualquer sinalização para uma revogação completa da reforma trabalhista.
O assunto não encontra unanimidade nem mesmo entre as lideranças sindicais. Enquanto alguns grupos pedem a revisão de pontos da reforma trabalhista, como é o caso da Força Sindical, outros lutam pela sua revogação completa, como a Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB) e a Central Sindical e Popular Conlutas (CSP-Conlutas).
“Nós vamos insistir nessa questão da revogação da reforma trabalhista, porque não trouxe nenhum ponto de melhora para os trabalhadores. Ao contrário, flexibiliza os direitos. Ela foi feita dizendo que ia aumentar os empregos, mas isso não aconteceu”, afirma Luiz Carlos Prates, conhecido como Mancha, dirigente da Executiva Nacional da CSP-Conlutas.
Aprovada em 2017, durante o governo do ex-presidente Michel Temer, a reforma trabalhista modificou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) com a promessa de combater o desemprego. Julia Lenzi Silva, doutora em Direito do Trabalho e da Seguridade Social e professora da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), afirma que é incontestável o fato de que esse objetivo não foi cumprido.
“A gente teve uma diminuição dos postos formais de trabalho e, o mais grave, aqueles postos que foram eventualmente gerados, todos estão extremamente precários, seja em direitos, em proteção social ou na remuneração. Todos os dados estatísticos comprovam que os alegados motivos que levaram à aprovação da reforma não se concretizaram”, afirma.
Como citado por Julia, pesquisas científicas em torno do tema apontam que a reforma trabalhista fez crescer a informalidade no Brasil. Guilherme Grandi, professor da Faculdade de Economia da USP, aponta que é importante levar outros aspectos em consideração, como o fato de que a informalidade já vinha em uma crescente antes da reforma, mas diz ser um consenso o fato de que ela foi um agravante à situação. “Evidentemente foi uma reforma que beneficiou muito mais o empregador do que o empregado. O empresariado saiu muito mais satisfeito do que os sindicatos”, afirma.
Reforma trabalhista não tem perspectiva de revogação
Nesta segunda-feira (13), em evento da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), o ministro do Trabalho, Luiz Marinho , voltou a falar que não está nos planos do governo uma revogação completa da reforma trabalhista. “Não cabe a palavra revogar, cabe revisitar o que foi feito, observar os excessos de precarização do trabalho e fazer as correções. Não cabe voltar ao que era, mas é preciso uma atualização”, disse ele, reforçando um posicionamento que o governo tem expressado desde o início do ano.
Em janeiro, Marinho anunciou a criação de três grupos de trabalho referentes à legislação trabalhista: um para debater uma política nacional de valorização do salário mínimo ; outro para desenvolver regras voltadas para trabalhadores por aplicativos; e um terceiro para estabelecer normas de negociação entre funcionários e empregadores.
Na ocasião, Marinho prometeu revisar e rediscutir “um a um” os pontos da reforma. “Contudo, nós temos que ter consciência do tamanho das demandas e da complexidade que nós estamos falando”, ponderou.
Os grupos de trabalho incluem também outros ministérios e envolvem membros da sociedade interessados nos temas, abarcando desde lideranças sindicais até entidades patronais. Para Guilherme, a expectativa é que o governo federal mantenha essa estratégia de diálogo para repactuar alguns pontos da reforma trabalhista, mas sem revogá-la.
“Eu acho pouco provável que o Lula e o ministro Marinho façam uma revogação completa dos pontos da reforma. Acho que o governo vai repactuar alguns pontos, discutir novamente e fazer alguns ajustes. Me parece que a estratégia do atual governo é uma estratégia de mais diálogo, de busca de consenso. É uma postura mais conciliatória entre diversos interesses antagônicos que marcam a nossa sociedade”, analisa o professor.
A pressão das forças sindicais
De um lado deste diálogo, está o empresariado, que tentará manter a legislação trabalhista como está. Do outro, estão as forças sindicais, que vêm fazendo pressão por mais direitos.
Em janeiro, em encontro com lideranças sindicais, o presidente Lula chegou a pedir para que essa pressão ocorra. “A democracia, quanto mais séria, mais ela precisa de sindicato forte, organizado, para bem representar os interesses dos trabalhadores”, afirmou.
“É preciso que vocês aprendam a fazer muita pressão, senão a gente não ganha. Vocês têm que fazer pressão em cima do governo, porque se vocês não fizerem pressão, a gente pensa que vocês estão gostando. Não tenham nenhuma preocupação de falar: ‘nós não podemos pressionar porque o Lula é o presidente’. É exatamente porque o Lula é presidente que vocês têm que fazer pressão. Porque com outro presidente vocês não conseguem fazer pressão porque a borracha bate muito forte. Cobrem do Marinho, o Marinho foi colocado no ministério para fazer o que tem que ser feito”, pediu Lula.
Mancha afirma que, por parte da CSP-Conlutas, a confiança é sempre na luta dos trabalhadores, independente de quem esteja governando o país. “Nós confiamos no processo de mobilização dos trabalhadores. Entendemos que existe expectativa por parte dos trabalhadores, até porque o próprio governo colocou uma série de demandas durante a campanha que sequer foram levadas adiante. Nós vamos trabalhar, vamos fazer assembleia. Queremos ter um plano de luta para levar adiante as nossas reivindicações. Nós não acreditamos que o governo vá fazer alguma coisa se não houver um processo de luta e de mobilização”, afirma o líder sindical.
Para os especialistas, o posicionamento de Lula ao pedir pressão dos sindicalistas é natural, diante de seu histórico político. Julia afirma que o presidente tem, neste momento, uma “encruzilhada história”, na qual poderá mostrar a quais interesses o governo vai servir.
“Se o governo realmente tem compromisso com a base que o elegeu, a revogação da reforma trabalhista é uma necessidade. A gente só pode pensar em uma reformulação da legislação do trabalho no Brasil, pensando em termos de modernização, a partir da revogação da reforma trabalhista”, avalia a professora.
No que diz respeito à modernização, Julia cita diversas discussões que precisam entrar em pauta no Brasil, como um novo modelo sindical, regulamentações para o trabalho remoto e regras para trabalhadores por aplicativos, mas opina que nenhuma delas pode ser devidamente estudada antes da revogação da reforma trabalhista. “Eu acredito que essas discussões, inclusive para fins de fomento da economia, precisam partir de um patamar civilizatório mínimo, e esse patamar não pode ser a reforma trabalhista”, afirma.
Nesse sentido, a professora diz que a atuação das centrais sindicais é essencial para, em primeiro lugar, formar uma unanimidade sobre o tema e, em segundo, debatê-lo junto ao governo. “Sem cobrança por parte das centrais, nada disso vai caminhar. O governo está sendo tensionado por todas as forças. Se não houver, por parte dos trabalhadores e trabalhadoras, a colocação das suas pautas nessa mesa, eles vão sair perdendo”, analisa.