Um veto presidencial à Lei 14.020/20 — que cria o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda — tem causado dúvidas sobre benefícios trabalhistas como vale-refeição e planos de saúde. O diploma foi sancionado em 6 de julho e prevê a adoção de um conjunto de medidas para enfrentamento à crise econômica desencadeada pela epidemia de Covid-19, originalmente previstas pela MP 936, editada em 1º de abril.
Segundo o dispositivo vetado, durante a epidemia, “as cláusulas das convenções coletivas ou dos acordos coletivos de trabalho vencidos ou vincendos” continuarão a integrar os contratos individuais de trabalho e “somente poderão ser modificadas ou suprimidas mediante negociação coletiva”. As exceções seriam as cláusulas que dispusessem “sobre reajuste salarial e sua repercussão nas demais cláusulas de natureza econômica”.
Como o dispositivo previa a ultra-atividade de normas coletivas, seu veto sugere que tais normas deixam de ter ultra-atividade. Assim, caso a norma coletiva expire durante a epidemia, e considerando que as medidas de distanciamento social podem dificultar a assinatura de novo acordo, empregados podem ficam sem alguns benefícios.
“Esses benefícios acordados entre empresas e sindicatos laborais só valem se houver negociação. Durante a pandemia, a empresa pode manter, por mera liberalidade, os benefícios aos empregados; porém, decretado o fim da pandemia, o veto à ultratividade do que foi tratado permite que sejam retirados os benefícios e direitos caso não haja convenção ou acordo coletivo vigente”, explica Fábio Zanão, advogado especialista em Direito Trabalhista e sócio-fundador do escritório Zanão e Poliszezuk Advogados.
O advogado Roberto Ferlis, sócio da área trabalhista do escritório Rayes e Fagundes Advogados Associados, por sua vez, explica que a ultra-atividade das normas coletivas já havia sido vedada por meio do artigo 614, parágrafo 3º da CLT e que entrou em vigor a partir da reforma trabalhista (Lei. 13.467/2017).
“Assim, o veto ao artigo 17, inciso IV, que seria acrescentado à Lei 14.020/2020, foi realizado com o objetivo de garantir segurança jurídica à atual legislação trabalhista. Isso porque sua redação iria de encontro ao que está previsto na CLT”, explica.
A possibilidade de fim dos benefícios, contudo, é remota segundo os especialistas consultados pela ConJur. Para Renato Melquíades, a área de Direito do Trabalho da banca Martorelli Advogados, as empresas devem buscar entidades sindicais e realizar convenções com auxílio da tecnologia. “Caso não seja possível a renovação da norma coletiva, e considerando que enfrentamos um estado de calamidade pública reconhecido pelo Congresso Nacional, o que configura uma hipótese clássica de motivo de força maior, entendo que o empregador pode comunicar aos seus empregados que manterá os benefícios em caráter transitório, mesmo com a norma coletiva vencida, como medida de altruísmo e de preservação das condições de trabalho na empresa. É preciso que essa comunicação destaque a provisoriedade da manutenção, a ser referendada pela negociação coletiva futura, que deve ser realizada tão logo seja possível”, explica.
Por fim, para Ricardo Calcini, professor de pós-graduação da FMU e organizador do e-book Coronavírus e os Impactos Trabalhistas, o governo manteve a coerência com o que foi instituído na Reforma Trabalhista. “Não é novidade não ter ultra-atividade. Só que isso não quer dizer que as entidades que pactuam desses acordos possam fazer uma renegociação. O que não dá para ser feito é uma prorrogação automática. É isso que a lei impede”, explica.
Ele lembra que normalmente as próprias partes já costumam aderir a cláusulas de prorrogação até que seja feita uma nova negociação com efeitos retroativos. “A ideia de ficar no limbo sem nenhum benefício normativo não é verdadeiro. O que o presidente fez foi vetar um dispositivo que iria permitir a ultra-atividade que desde 2017 não existe mais. O veto não vai pegar ninguém de calça curta”, conclui.
Rafa Santos revista Consultor Jurídico.