Levantamento realizado pela consultoria IDados mostra que 38% dos brasileiros que têm algum trabalho, mas desejam atuar mais horas na semana, se formaram no ensino médio; 14% concluíram o ensino superior.
Por Luiz Guilherme Gerbelli, g1
O contingente de trabalhadores subocupados no Brasil está cada vez mais escolarizado. Hoje, mais da metade dos brasileiros pertencentes a esse grupo têm ensino médio completo ou concluíram o curso superior.
Um levantamento realizado pela consultoria IDados mostra que 38% dos subocupados no país se formaram no ensino médio e 14% no superior. Quem se encontra na condição de subocupado tem algum tipo de trabalho, mas gostaria de trabalhar mais horas na semana.
Os números apurados pelo IDados foram obtidos com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) do segundo trimestre.
Historicamente, a liderança entre os subocupados pertencia aos trabalhadores menos qualificados, com ensino fundamental incompleto, mas os brasileiros com mais anos de escolaridade passaram a ocupar esse espaço ao longo dos anos.
No segundo trimestre de 2016, por exemplo, a soma da população subocupada entre os trabalhadores que completaram o ensino médio e superior era de 42%.
E o que pode explicar esse movimento?
- Os trabalhadores qualificados conseguiram se manter ocupados nas últimas crises econômicas, mas podem ter tido a jornada reduzida; e
- A volta ao mercado de trabalho tem ocorrido em ocupações de carga horária mais baixa.
“Esse movimento pode ter acontecido por dois fatores. Primeiro, quem se manteve no mercado teve a carga horária de trabalho reduzida. Então, o empregador ou até a pessoa que atua como conta própria diminuiu o número de horas trabalhadas”, afirma Mariana Leite, pesquisadora do IDados.
“Ou pode ser que os trabalhadores que estão reentrando no mercado estejam em ocupações de carga horária mais baixa”, acrescenta.
Na prática, o crescimento da condição de subocupado entre os mais escolarizados revela que o país tem sido incapaz de se beneficiar da qualidade da mão de obra de sua população. “Isso é muito ruim do ponto de vista de produtividade”, diz Mariana. “São vários trabalhadores que não estão conseguindo desenvolver o seu maior potencial.”
Recorde de subocupados
O Brasil tem hoje um número recorde de trabalhadores subocupados. São 7,5 milhões nessa condição.
O mercado de trabalho do Brasil tem sido duramente afetado pelas sucessivas crises econômicas. O emprego ainda não tinha se recuperado do estrago causado pela recessão enfrentada entre 2014 e 2016 e levou um novo golpe com a crise provocada pela pandemia de coronavírus.
No primeiro trimestre deste ano, a taxa de desemprego chegou 14,7% no primeiro trimestre. Os números mais recentes até apontam para uma melhora, mas ela tem sido bastante tímida. No segundo trimestre, por exemplo, a desocupação recuou a 14,1%. No dado mais recente de, de agosto, foi a 13,2%.
“Estamos num momento de recuperação no mercado de trabalho, com aumento do número de ocupadas. São pessoas conseguindo algum tipo de recolocação nesse momento de regularização da crise sanitária”, afirma Cosmo Donato, economista da consultoria LCA. “Mas muita gente se recoloca e aceita ganhar menos.”
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Mestre com jornada de 20 horas
Com mestrado concluído em 2019, o geólogo Fabio Luiz Vieira de Oliveira, de 42 anos, engrossa a fila dos subocupados no país. Hoje, ele dá aulas numa faculdade e só trabalha 20 horas por semana.
“Desde de 2013, eu não trabalho como CLT. Cheguei a abrir a minha empresa, mas as coisas não saíram como deveriam”, conta Fábio. “Atualmente, trabalho como professor e só dou aulas no período noturno. Não encontro um trabalho para fazer durante o dia.”
Fabio Luiz Vieira de Oliveira, de 42 anos, é mestre e só trabalha 20 horas por semana — Foto: Acervo pessoal
Com uma jornada de trabalho tão reduzida, o salário também é menor.
“Nesse momento, estou queimando a minha reserva (de emergência). O que eu ganho como professor não cobre as minhas despesas”, diz.
Fabio mora com a esposa e uma casal de filhos numa casa financiada por 30 anos – 10 anos já estão quitados – em São Paulo.
O orçamento doméstico mais enxuto fez com que o filho de sete anos passasse a estudar numa escola pública – a filha mais nova, de cinco anos, já iniciou a alfabetização na rede municipal. A família também não tem mais plano de saúde.
“Pelo menos, a gente consegue ter o mínimo de conforto. Temos casa, carro. Ainda conseguimos comprar o que a gente precisa”, diz. “Mas uma parte da vida acaba negligenciada. Não consigo mais viajar ou aproveitar a questão cultural.”
E o que esperar do futuro?
Num contexto de lenta retomada da atividade econômica do Brasil, os analistas não têm muita expectativa com a melhora do mercado de trabalho, o que poderia levar a uma queda no contingente de trabalhadores subocupados.
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Nas projeções da consultoria LCA, o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil deve crescer 4,5% este ano e apenas 1% em 2022. Nesse biênio, a previsão para a taxa média de desemprego é de 13,2% e 11,7%, respectivamente.
“O Brasil vai crescer pouco (no próximo ano) e esse contingente que conseguiu se colocar no mercado de trabalho depende de uma recuperação mais efetiva para ter uma melhora na renda”, afirma Donato. “A subocupação pode se tornar um movimento mais persistente.”