8 de novembro de 2017


reforma x justiça

 A reforma trabalhista, que entrará em vigor no próximo dia 11, pode provocar uma enxurrada de ações na Justiça do Trabalho. Especialistas apontam que a discussão do projeto de lei feita em apenas quatro meses pelo Congresso, criou impasses que devem desaguar no Judiciário. No entanto, entre as mudanças está a que pode levar o trabalhador a arcar com as custas do processo em caso de derrota, reduzindo a ação de “aventureiros”, gente que vai aos tribunais em busca de dinheiro fácil.

Pontos polêmicos como o que regulamenta a jornada de 12 por 36 horas, o do trabalho em condições insalubres e o do negociado sobre o legislado devem ampliar o número de ações nos tribunais.

“A jornada de trabalho de oito horas, por exemplo, está prevista na Constituição. Ela pode ser flexibilizada por acordo coletivo, como a 12×36, mas não em acordo individual, como a nova Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) permite. É claramente inconstitucional esse artigo”, explica o presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Guilherme Feliciano.

O magistrado também aponta que questões que envolvem segurança do trabalho e saúde são inegociáveis, e que as concessões feitas na nova CLT também deverão ser levadas com frequência à Justiça.

Professor de Direito do Trabalho do Ibmec, Flávio Monteiro acredita que muitas empresas implementarão a CLT pós-reforma aos poucos, justamente para não correrem riscos de uma avalanche de ações. Para ele, o principal receio é como o Judiciário vai interpretar os novos dispositivos da CLT. Ele alerta que os empregadores também podem ter dúvidas quando se depararem com alguma fiscalização ou ação na Justiça.

“O Congresso divulgou para a sociedade que a reforma vai permitir uma interpretação exata das CLT. Mas o Judiciário não faz interpretação literal e leva em conta outras leis e outros princípios”, explica o professor.

Para Guilherme Feliciano, devido às falhas na nova CLT, os juízes do Trabalho terão que descobrir como interpretá-la e fazer ajustes para que o resultado não seja prejudicial à população. O magistrado entende que a nova legislação é ruim, com muitas lacunas, contradições e artigos inconstitucionais.

“Praticamente toda a CLT foi modificada . O Direito do Trabalho foi refundado na questão do que é negociado entre empregadores e empregados prevalece sobre o que legislado. Tudo isso em apenas quatro meses. Para se ter ideia, o Código de Processo Civil, sancionado em 2015, teve cinco anos de debate”, afirmou.

O 1º vice-presidente do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais (TRT-MG), desembargador Ricardo Antônio Mohallem, discorda e acredita que a discussão da reforma ocorreu em um prazo razoável.

“Na minha opinião, essa censura é frágil. Diferentemente da CLT, que foi feita por meio de um decreto-lei em 1943, a reforma veio por um projeto de lei, debatida em um congresso democrático, o que a torna mais legítima”, explica o magistrado.

Especialistas alertam sobre o risco de precarização do emprego

Principal objetivo anunciado pelo governo para a reforma trabalhista, a geração de empregos proporcionada pelas mudanças na CLT é colocada em xeque por especialistas. Para eles, inicialmente pode haver sim um aumento de postos formais no mercado de trabalho, mas com grandes chances de serem precários.

“Inicialmente, pelo mascaramento do emprego intermitente, pode gerar um registro maior na carteira de trabalho. Mas, talvez, essa massa de trabalhadores não vai estar sendo remunerada. Lei não gera emprego. O que cria trabalho é a atividade econômica”, explica o diretor do Instituto de Defesa da Classe Trabalhadora (Declatra), Humberto Marcial.

Ele cita o exemplo das vagas oferecidas por uma rede de fast food que repercutiu em redes sociais na semana passada, com jornada intermitente e salário inferior a R$ 5 por hora. “Em alguns casos, a carteira do trabalhador pode estar até assinada, mas ele estará ganhando menos do que o salário mínimo. Em outros países que permitem esse tipo de contrato de trabalho, há uma remuneração mínima por hora. Há ainda o risco de o trabalhador nem ser chamado por um longo período”, diz Marcial.

O presidente da Anamatra, Guilherme Feliciano, desmente a informação que circulou na mídia de que o Brasil concentrava 98% das ações trabalhistas no mundo. Ele afirma que de todas as ações judiciais, hoje, no Brasil, apenas 13% estão tramitando na Justiça do Trabalho.

“Pelos dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a trabalhista é a que mais concilia e a que tem a menor taxa de congestionamento. Ela é a mais efetiva do país”, afirma.

Ainda repercutindo dados do CNJ, Feliciano diz que 50% das ações trabalhistas são motivadas pelo descumprimento de algum direito previsto em lei.

O 1º vice-presidente do TRT-MG, Ricardo Antônio Mohallem, acredita que a nova CLT vai desencorajar “ações aventureiras” e que a, longo prazo, deverá sim reduzir o volume de processos na Justiça do Trabalho.

 

Felipe Boutros
fboutros@hojeemdia.com.br